Projeto de Lei do Legislativo Nº 002

OBJETO: "Dispõe sobre a proibição da contratação de shows, artistas e eventos voltados ao público infantojuvenil que promovam apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas e dá outras providências no município de Gramado."

ORIENTAÇÃO JURÍDICA

PROCURADORIA GERAL

 

Orientação Jurídica n.º 022/2025

Referência: Projeto de Lei n.º 002/2025

Autoria: Legislativo Municipal

 

I – RELATÓRIO

Foi encaminhado à Procuradoria Jurídica desta Casa, para emissão de Orientação Jurídica, o Projeto de Lei Legislativo n.º 002/2025, de autoria do Vereador Roberto Cavallin, protocolado em 17/02/2025, com leitura realizada em sessão ordinária de 24/02/2025, objetivando dispor sobre a proibição da contratação de shows, artistas e eventos voltados ao público infantojuvenil que promovam apologia ao crime ou drogas.

 

Na justificativa, o Vereador proponente esclarece que o presente projeto de lei tem como objetivo assegurar a proteção da infância e adolescência, garantindo que os eventos culturais e artísticos promovidos ou financiados pelo poder público de Gramado não promovam ou incentivem o crime organizado ou o consumo de drogas. Entende que, esta medida se faz necessária para garantir um ambiente saudável e seguro para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, em conformidade com os princípios estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Aduz, ainda que este projeto representa um avanço para assegurar um ambiente seguro e adequado às crianças e adolescentes de Gramado, fortalecendo políticas públicas de proteção e desenvolvimento juvenil.

É o breve relato dos fatos. Passa-se a fundamentar:

 

II – DA ANÁLISE JURÍDICA

 

2.1 Da Competência e Iniciativa

 

O presente projeto de lei legislativo tem por objetivo proibir a contratação de shows, artistas e eventos voltados ao público infantojuvenil que promovam apologia ao crime ou drogas.

 

A Constituição Federal atribui como competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, legislar a respeito da proteção à infância e a juventude:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[…]

XV - proteção à infância e à juventude;

[...] (grifou-se)

 

No presente caso, matérias que tratem de proteção à infância e à juventude são de iniciativa e competência da União, Estados e Distrito Federal.

 

Assim, o presente Projeto de Lei encontra-se em desconformidade com as normas legais vigentes, por invadir prerrogativas de iniciativa da União, Estados e Distrito Federal, se registrando, desta forma, vício de origem na presente propositura, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal.

 

2.2 Da Constitucionalidade e Legalidade

 

A Constituição Federal estabelece que:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[…]

XV - proteção à infância e à juventude;

[...] (grifou-se)

 

No exercício das competências atribuídas, existem normas federais que abordam temas relacionados à proteção e promoção dos direitos de crianças, adolescentes e jovens, e que delegam a implementação de certas medidas, a exemplo da Lei Federal nº 8.069/1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Federal nº 12.852/2013, que institui o Estatuto da Juventude.

 

A Lei Federal nº 12.852/2013, dispõe que:

 

Art. 17. O jovem tem direito à diversidade e à igualdade de direitos e de oportunidades e não será discriminado por motivo de:

I - etnia, raça, cor da pele, cultura, origem, idade e sexo;

II - orientação sexual, idioma ou religião;

III - opinião, deficiência e condição social ou econômica.

 

Art. 18. A ação do poder público na efetivação do direito do jovem à diversidade e à igualdade contempla a adoção das seguintes medidas:

I - adoção, nos âmbitos federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, de programas governamentais destinados a assegurar a igualdade de direitos aos jovens de todas as raças e etnias, independentemente de sua origem, relativamente à educação, à profissionalização, ao trabalho e renda, à cultura, à saúde, à segurança, à cidadania e ao acesso à justiça;

II - capacitação dos professores dos ensinos fundamental e médio para a aplicação das diretrizes curriculares nacionais no que se refere ao enfrentamento de todas as formas de discriminação;

III - inclusão de temas sobre questões étnicas, raciais, de deficiência, de orientação sexual, de gênero e de violência doméstica e sexual praticada contra a mulher na formação dos profissionais de educação, de saúde e de segurança pública e dos operadores do direito;

IV - observância das diretrizes curriculares para a educação indígena como forma de preservação dessa cultura;

V - inclusão, nos conteúdos curriculares, de informações sobre a discriminação na sociedade brasileira e sobre direito de todos os grupos e indivíduos a tratamento igualitário perante a lei; e

VI - inclusão, nos conteúdos curriculares, de temas relacionados à sexualidade, respeitando a diversidade de valores e crenças.

 

Portanto, o acesso aos conteúdos sobre diversidade e igualdade de direitos é assegurado por essas leis, garantindo a todos os jovens o direito de ter acesso a uma educação inclusiva e sem discriminação.

 

No entanto, a forma de como esses conteúdos serão apresentados e discutidos com crianças e adolescentes deve ser analisada com cautela em cada contexto específico. Não é possível estabelecer uma “lei geral” que trate dessas questões de maneira uniforme, pois muitos desses temas envolvem aspectos subjetivos, como valores culturais, crenças pessoais e contextos sociais diferentes.

 

No mesmo sentido, a Orientação do IGAM nº 4.493/2025 colaciona entendimento jurisprudencial, na forma que segue:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei no 3.026, de 14 de junho de 2018, do Município de Martinópolis, que "institui, no âmbito do sistema municipal de ensino, proteção às crianças de textos, imagens, vídeos e músicas pornográficas, e dá outras providências". OFENSA AO PRINCÍPIO DO PACTO FEDERATIVO. Reconhecimento. Município que não dispõe de competência para legislar sobre "proteção à infância e à juventude" ( CF, art. 24, XV) ou sobre "diretrizes e bases da educação nacional" ( CF, art. 22, XXIV). Precedentes. VÍCIO DE INICIATIVA E OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. Reconhecimento. Lei impugnada, de iniciativa parlamentar, que interfere na prestação de serviços públicos. Inconstitucionalidade manifesta. Ação julgada procedente. (TJ-SP – ADI: 21780898420188260000 SP 2178089-84.2018.8.26.0000, Relator: Ferreira Rodrigues, Data de Julgamento: 20/02/2019, Órgão Especial, Data de Publicação: 14/03/2019)

 

Por isso, é recomendado a análise caso a caso para garantir que os direitos sejam efetivamente respeitados, levando em consideração as particularidades de cada situação, evento ou projeto. Isso implica em criar um ambiente que seja sensível às necessidades e realidades das crianças e adolescentes, respeitando sua diversidade e assegurando uma abordagem que seja adequada e eficaz para todos.

 

No que tange a técnica legislativa do presente projeto de lei, necessário a observância das determinações da Lei Complementar nº 95/1998, em especial, quanto ao preâmbulo, o qual estabelece que “A Câmara Municipal de Gramado decreta”, porém, não é admissível neste caso, por tratar-se de projeto de lei.

 

III – CONCLUSÃO

 

Por todo o exposto, no aspecto jurídico, em observância aos princípios constitucionais vigentes, conclui-se que o Projeto de Lei Legislativo n.º 002/2025, não atende as normas legais impostas, em especial sobre a iniciativa e competência de sua proposição.

 

Por todos os fundamentos acima apresentados, esta Procuradoria exara Orientação jurídica contrária à sua tramitação.

 

Destarte, encaminha-se à Comissão de Legislação e Redação Final, e à Comissão de Infraestrutura, Turismo, Desenvolvimento e Bem Estar Social, para emissão dos Pareceres, seguindo aos nobres edis para análise de mérito, em Plenário, no que couber.

 

É o parecer que submeto à consideração.

 

Gramado/RS, 25 de fevereiro de 2025.

 

 

Endi de Farias Betin

Procuradora-Geral

OAB/RS 102.885

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